25 de outubro de 2015

A BÍBLIA ESTÁ COMPLETA Parte 2.


A Septuaginta, (séc. III ao I a.C.), versão do VT do hebraico-aramaico para o grego, começou a ser feita no tempo dos Filadelfos (285-247 a.C.) em Alexandria, Egito. No começo só o Pentateuco foi traduzido, o resto veio depois. Parece que o prólogo de Eclesiástico refere-se a ela. As cópias, completas ou quase completas, mais antigas que temos desta versão são do século IV, e foram confeccionadas por cristãos. Elas tem todos os livros da Bíblia hebraica e alguns dos livros apócrifos.
Isto levou alguns a teorizarem a existência de dois “cânones” do Velho Testamento, um palestiniano e outro alexandrino. Tal teoria, porém, cai por terra quando se observa o conteúdo dos grandes manuscritos da Septuaginta do quarto e quinto séculos.

Eles tem os seguintes livros apócrifos e pseudo-epígrafos:

Nome do manuscrito

sigla de
identificação
apócrifos
omitidos
pseudo-epígrafos presentes
Vaticano
B
1 e 2 Mc
1 Ed
Sinaítico
alefh
Bar
4 Mc
Alexandrino
A
nenhum
1 Ed, 3 e 4 Mc

A tabela mostra que os grandes manuscritos cristãos da Septuaginta, embora tivessem todos os livros da Bíblia Hebraica, não tinham os apócrifos com constância e até tinham alguns livros que ninguém, nem mesmo a igreja romana, tenta incluir na Bíblia.

Isto é suficiente para mostrar que não havia consenso sobre que livros adicionar na Septuaginta.  A omissão de vários dos apócrifos e a inclusão de livros que ninguém nunca aceitou como inspirados, ajuda a ver que não havia uma “lista oficial” de livros em Alexandria que era diferente da “lista oficial” da Judéia.

Antes de mais nada, é bom lembrar de novo que as cópias encadernadas da Septuaginta que temos hoje são oriundas dos cristãos e não dos judeus. O fato das cópias da Septuaginta incluir e omitir apócrifos e pseudo-epígrafos mostra que a colocação deste livros numa só encadernação com os inspirados não era indicação de sua aceitação no “cânon” bíblico. Além disto, a igreja lia estas obras, mas considerava-as secundárias. Não há nada que pudesse ser chamado de "cânon alexandrino".

Filon e Josefo, que utilizavam quase exclusivamente esta versão grega, mas sempre defenderam o cânon da Bíblia hebraica.

Flávio Josefo (aprox. 90 d.C.) disse: "Não temos dezenas de milhares de livros em desarmonia e conflitos, mas só vinte e dois contendo o registro de toda a história, que , conforme se crê com justiça, são divinos. Cinco são de Moisés, que referem tudo o que aconteceu até a sua morte, durante perto de três mil anos, e a seqüência dos descendentes de Adão. Os profetas que sucederam este admirável legislador, escreveram em treze livros tudo o que se passou depois de sua morte até o reinado de Artaxerxes, filho de Xerxes, rei dos Persas, e os quatro outros livros contêm hinos e cânticos feitos em louvor de Deus e preceitos para os costumes. Escreveu-se também tudo o que se passou desde Artaxerxes até os nossos dias, mas como não se teve, como antes, uma seqüência de profetas, não se lhes dá o mesmo crédito que aos outros livros de que acabo de falar e pelos tais temos tal respeito que ninguém jamais foi tão atrevido para tentar tirar ou acrescentar ou mesmo modificar-lhe a mínima coisa. Nós os consideramos como divinos, chamamo-los assim ..." (Contra Ápio 1.8).

Josefo fala apenas de 22 livros porque os judeus dividiam seus livros de modo diferente do nosso. Suas Bíblias tinham 22 ou 24 livros, mas estes são exatamente iguais aos 39 livros da Bíblia atual. Veja abaixo, dois modos possíveis dos judeus arrumarem os livros da Bíblia;

TEXTO MASSORÉTICO e IV ESDRAS - 24 livros
FLÁVIO JOSEFO - 22 livros
(a distribuição é hipotética)
TORÁH
Gn, Ex, Lv, Nm, Dt = 5
Gn, Ex, Lv, Nm, Dt. = 5
NEBI'IM
Profetas anteriores - Js, Jz, Sm, Rs = 4
Profetas posteriores - Is, Jr, Ez, XII = 4
Js, Jz-Rt, Sm, Rs. Is, Jr-Lm, Ez, XII, Dn, Ec, Es-Ne, Et, Cr. = 13
KEThUBhIM -
Poesia e sabedoria - Sl, Jó, Pv. = 3
"Megilloth" - Rt, Ct, Ec, Lm, Et = 5
História - Dn, Es-Ne, Cr. = 3
Poesia e sabedoria - Sl, Pv, Jó, Ct. = 4

Josefo reconhece as 3 divisões do cânon e os mesmos livros da Bíblia Hebraica(22). Na opinião dele, nenhum livro canônico foi escrito depois do reinado de Artaxerxes (462-424 a.C.) e ainda afirma que, durante estes séculos, desde Artaxerxes, nada foi alterado nos livros sagrados. Embora Josefo conhecesse os livros do período interbíblico, não os considerava canônicos. Embora fosse um leitor da Septuaginta, não cria que os chamados apócrifos fizessem parte da Bíblia.

Alguns costumam afirmar que foi o "concílio judaico de Jamnia" (aprox. 90 d.C.) que retirou os apócrifos do Velho Testamento. Isto é absurdo! Pouco se sabe sobre este suposto sínodo. Depois da destruição da Jerusalém, o Rabino Johanan ben Zakkai obteve permissão dos romanos para estabelecer-se em Jamnia e desenvolver a atividade literária. O local tornou-se um centro de estudo bíblico para os judeus e discutiu-se a canonicidade de livros como Ezequiel, Ester, Cantares, Eclesiástes e Provérbios.

O fato é que não havia ali um verdadeiro concílio acontecendo e o que eles faziam era discutir como lidar com alguns livros já considerados autoritativos. As discussões eram acadêmicas e não representavam o pensar do povo. As razões das suas dúvidas eram: Ester não trazia o nome de Deus; Eclesiastes parecia filosofia epicurista; Cantares falava apenas do amor sensual; Ezequiel apresentava os rituais do templo em aparente contradição com a Lei; Provérbios tinha contradições aparentes (26.4,5).

O certo é que Jamnia não deve ser tomado como decisivo para o cânon do Velho Testamento, apesar de todos os livros da Bíblia hebraica serem finalmente referendados e acatados ali. Os judeus de Jamnia trabalhavam sobre decisões anteriores e não as alteraram em nada. Somente expressaram as dúvidas de seu tempo e até anteriores, e acabaram ficando com o que começaram. Os chamados apócrifos não foram objeto de discussão naquela reunião judaica.

O bispo Melito de Sardes (aprox. 170 d.C.) viajou para o Oriente para investigar o número e a ordem dos livros do Antigo Testamento. Concluiu. "Cinco de Moisés. Gn Ex, Lv, Nm e Dt; Js, Jz, Rt, quatro dos Reinados, dois de Crônicas, Salmos de Davi, Provérbios de Salomão (que é também Sabedoria), Ec, Ct, Jó; Os profetas - Is, Jr, XII, Dn, Ez e Ed”.

Pode-se comentar que Lamentações deve estar incluído em Jeremias; e Neemias, em Esdras, como já era costumeiro. Ester é omitido, sem sabermos a razão; talvez estivesse incluído num mesmo conjunto: Esdras-Neemias-Ester. Não sabemos se o termo Sabedoria inclui o apócrifo ou não. Assim, a lista de Melito não ajuda a imaginar que os apócrifos tinham qualquer espaço entre os livros inspirados, embora fossem lidos e usados na igreja.

Tertuliano (160-250 d.C.) considerava canônicos os 24 livros da Bíblia Hebraica. Orígenes (morreu em 254 d.C.) disse que havia 22 livros no Velho Testamento, como Josefo. As únicas diferenças parecem ser a inclusão da "Epístola de Jeremias", ignorando que esta não foi escrita em Hebraico, e dos Macabeus. Hilário de Poitiers (305-366 d.C.) mencionou o número de 22. Jerônimo (340-420 d.C.), tradutor da Vulgata, no "Prologus Galeatus", e em outros lugares considerava apenas 22 livros do hebraico como canônicos, relegando os outros a uma posição secundária. "Este prólogo, como vanguarda com capacete das Escrituras, pode ser aplicado a todos os livros que traduzimos do hebraico para o latim, de tal maneira, que possamos saber que tudo quanto é separado destes deve ser colocado entre os apócrifos. Portanto, a Sabedoria comumente chamada de Salomão, o livro de Jesus, filho de Siraque, e Judite e Tobias e o Pastor (supõe-se que seja o "Pastor de Hermas"), não fazem parte do cânon. Descobri o primeiro livro de Macabeus em hebraico; o segundo foi escrito em grego conforme testifica a sua linguagem". Ele ainda declara ter descoberto Eclesiástico em Hebraico, mas que Sabedoria deve ter sido redigida em grego. Ele continua. "E assim, da mesma maneira pela qual a igreja lê Judite e Tobias e Macabeus mas não os recebe entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros úteis para a edificação do povo, mas não para estabelecer doutrinas da Igreja." Também em seu comentário de Daniel enfatizou que as adições "História de Suzana" e "Bel e o dragão" não faziam parte do texto canônico de Daniel.

O cânon do Velho Testamento ficou sob discussão informal por muitos anos, e na verdade, nunca tinha sido bem definido. A tendência geral até a época de Agostinho (aprox. 400 d.C.) era a da rejeição dos apócrifos como canônicos, apesar de afirmar-se sua utilidade. Na época de Agostinho, talvez por influência dele, alguns chegaram a considerar os apócrifos de igual valor como os livros da Bíblia hebraica. No entanto, desde sua época até o século XVI os grandes intérpretes da Bíblia colocavam os apócrifos em um lugar "mais baixo" do que os livros da Bíblia. O catolicismo romano só veio a tomar posição em 8 de abril de 1546, no Concílio de Trento, em reação ao protestantismo. Mesmo assim, houve quem não concordasse com isto dentro do próprio catolicismo.

As chamadas "Bíblias Católicas" tem 46 livros no Velho Testamento, e adições de outros livros. Tal conceito de "Bíblia Católica" é inadmissível. A Bíblia é uma só. O que existe são edições produzidas pela igreja romana com acréscimos não inspirados no Velho Testamento.